«Quase todas as instituições de ensino superior adotaram códigos de conduta para a prevenção e combate ao assédio, mas apenas 20% dispõem de canais específicos para denúncias de assédio, revelou a comissão nomeada pelo Governo para avaliar as estratégias das universidades contra o assédio num relatório divulgado recentemente.
O relatório aponta um aumento nas denúncias de assédio. Há mais casos ou maior capacidade de denúncia?
Não creio que existam mais casos agora, pelo contrário. No meu tempo de estudante e no início da carreira, penso que haveria mais casos, mas menos consciência do problema. Colegas investigadoras relataram-me situações com supervisores que hoje seriam completamente intoleráveis. Culturalmente, éramos mais permissivos. O aumento das denúncias reflete maior consciencialização, visibilidade e segurança para denunciar, além de uma cultura menos tolerante a comportamentos abusivos, o que é positivo.
O número de casos pode ser superior ao reportado?
Acredito que sim. Há pessoas que ainda desconhecem os canais de denúncia, receiam as consequências ou duvidam da eficácia da queixa. Ainda há um caminho a percorrer.
Quais os principais obstáculos à formalização de queixas?
A comissão constatou que a larga maioria das instituições não informa claramente quem integra as comissões responsáveis por avaliar as denúncias. Por isso o relatório recomenda que os canais de denúncia indiquem, de forma clara, os nomes e funções dos membros dessas comissões.
A ausência dessas informações gera desconfiança?
Sim, pode levar à perceção de que o caso será analisado por alguém próximo do denunciado ou, pior, pela própria pessoa visada. Este risco é maior quando as comissões são exclusivamente internas, como acontece em 80% dos casos. Recomendamos que sejam criadas comissões mistas, com membros internos e externos, como especialistas em direito, psicologia ou comportamento humano, para garantir maior imparcialidade. Além disso, é essencial que todos os membros recebam formação sobre assédio, para assegurar avaliações rigorosas e justas.
Menos de metade das denúncias resultaram em processos disciplinares e apenas 18% em sanções. Porquê?
A principal dificuldade é a recolha de provas, já que quem pratica assédio, seja em que contexto for, tende a agir de forma a proteger-se, dificultando a obtenção de evidências claras. Além disso, muitas vítimas desconhecem como identificar ou preservar evidências, o que reduz o número de processos. Para analisar estes casos é essencial ter provas sólidas, garantindo não apenas justiça para as vítimas, mas também a proteção de quem é denunciado. Sem rigor na avaliação corremos o risco de generalizar culpas injustamente.
Mantém-se uma atitude passiva face ao assédio?
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